sábado, dezembro 31
Cortar o Tempo
a que se deu o nome de ano,
foi um indivíduo genial.
Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão.
Doze meses dão para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos.
Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui pra diante vai ser diferente"
Carlos Drummond de Andrade
sexta-feira, dezembro 30
- Mas eu prefiro quando tudo está embaçado sabia? Quando tudo são borrões a andar sem se distinguir do horizonte. Quando as pessoas enxergam tudo, parecem que perdem todo o interesse que poderiam ter. Prefiro esmagar minha cara no asfalto mesmo. Não faço mais questão.
quinta-feira, dezembro 15
Às vezes a melhor solução era ficar em cima daquele muro por uma eternidade inteira. Tentando entender que ele não precisa pertencer a algum lugar, mas que ele já é alguma coisa e só isso é o suficiente pra comprometê-lo no contexto, sendo forçado a ficar dia após dia em cima daquele muro, olhando para os dois lados, com muito cuidado, pra não cair e se tornar mais na multidão.
- Que desperdício de vias aéreas.
sexta-feira, dezembro 9
você sabe o que eu estou pensando agora, não sabe?
- Ninguém nunca gritou com você, não é mesmo criança? Se tivessem gritado acho que você teria aprendido o que é desapontamento. Quando o sol nasce, você discorda que tem um motivo para sair da cama. E quando tudo cai em cinza... Você pensa que está bom daquele jeito. - Seus olhos apontavam numa direção em que não lhe surtia efeito algum, pensava naquilo que esperava para o dia seguinte, as pessoas que imaginava encontrar e as coisas ainda por serem feitas e ditas. Mas agora, tudo parecia tão vazio refletido nos olhos daquele homem, nos olhos tão azuis e tão cinzas daquele homem. - Às vezes nem é de propósito criança. As pessoas fazem muitas coisas sem nem ao menos ter a intenção de fazê-las. Mas se pegam chorando de madrugada, se perguntando da onde vem tanta frustração e ai você fica desapontado pra sempre, com as mesmas situações. Porque sua voz morreu faz muito tempo guri e aqueles que costumavam a te erguer hoje só sabem exigir de você e te manter lá embaixo.
Mesmo que as cores no horizonte lhe parecessem tão coloridas como deveriam ser, havia algo que emanava daquele homem, algo que impedia que a felicidade fosse felicidade nos olhos de uma criança, algo que tornaria a persegui-lo por toda vida, onde quer que passasse, sempre observaria olhos como aquele. Olhos que não possuem mais coragem ou força pra gritar e ficam a falar com crianças mudas.
- Mas quem sabe quando a situação vai mudar? Disseram que todos nós iremos prum lugar melhor mais cedo ou mais tarde e tudo depende de quem você vai escolher pra ir ver o por do sol com você. Guri... Tinha uma moça. Ela era uma moça, mas não consegui fazer com que ela acreditasse em mim. No fim sobraram palavras vazias desperdiçadas com uma alma que simplesmente não estava a fim e então eu entendi. Pouca coisa importa pros outros, pouca coisa se torna relevante e a gente fica aqui sozinho a ver o mar, a falar sozinho... - E mais e mais palavras fluíam da boca daquele homem, que, quem sabe, já poderia ser considerado um velho. - E seus olhos foram de muitas coisas. Olhos que carregaram nebulosas, que carregaram o peso de mundo e mesmo assim, olhos que não se atreveriam a acreditar em mais ninguém. Mesmo que ela gostasse... Do vento... Da brisa do mar em pleno deserto... Não era motivo suficiente para colocar um pé atrás do outro e continuar andando e a gente cresceu, assim como os que vieram antes de nós...
Sentados ali no meio do deserto tudo parecia muito atual, o vento seco que se misturava com a brisa no mar e não parecia fazer sentido algum entre os grãos de areia, mas aquele homem já estava acostumado com aquilo, sabia que pouco importava a secura ou a umidade quando se encontrava sentado em uma imensidão de grãos de areia à olhar o céu. Sabia que aquela seria sua vez e mesmo assim não encontrava vontade ou prazer em fazer a sua parte.
- As pessoas choram dentro dos corações. - O homem sorriu ao ouvir a frase da mulher saindo dos lábios da criança, era certo que, não importava o tamanho do desapontamento, quando boas coisas saem fora de contexto, os sorrisos também não se intimidam a sair e saem como se entendessem sobre o que conversavam. - Eu ouço, às vezes. Quando fico escondido entre paredes e fecho os olhos. Ouço do que me chamam e o que eu sou, às vezes sou eu quem diz. Às vezes os sons são tantos, mas tantos, que não sei quem somos e ai me perco naquele quarto minúsculo.
- É, tá difícil acalmar meu coração. Mas é bom saber que até de pequenas coisas horrendas como essas a gente consegue sentir a emoção. - Ele gargalhou de tal maneira que até o menino achou que fosse mentira, mas como era bom ouvir aquela risada. - Aquela mulher soube o que fazia, me arrastando durante horas por desertos e falando palavras sábias. A gente deve mais do que imagina. Tem uma outra mulher também, mas dessa ninguém fala muito. Porque diziam que ela tinha dono, tudo mentira. Ela era mais quieta que as estrelas e também sabia o que fazia, a decepção com ela foi menor, bem menor, talvez por isso demore tanto até que alguém se lembre dela. Ela fazia as coisas direito, ela chegava no seu coração como só você pode, é uma mulher tão diferente que foi preciso ela pra acalmar as correntezas de Clarie. Aah Clarie... Só de pronunciar seu nome me da uma dor no coração... Por que puxou o gatilho? Por que resolveu voltar? Por que viveu suas vidas tão pacatamente? Por que não arrastou Rachel para junto de nós? Por que me arrastou por desertos... - Ele parou para tomar fôlego por um momento, esquecendo totalmente da presença do menino que o encarava apreensivamente. - Tantas escolhas Clarie, tantos suspiros... Tantas estrelas, tantas civilizações e pra quê? Será que você não queria só se sentar e passar um tempo observando as estrelas comigo? Ia ter sido tão bom... Só nós dois e o respirar da noite...
E a respiração era tudo que lhe mantinha em pé atualmente, desviando de obstáculos, rezando por atenção, gritando com pessoas sem ter voz ou fôlego para tal. Mas disseram que as coisas iam melhorar. Disseram que o céu permaneceria vermelho, que as escolhas seriam melhores, que as pessoas pensariam mais e que a decepção, aquela frustração que sentimos pelos gestos dos outros, ia ser tão mais fácil de engolir e esquecer. E ficaríamos naquela mesma melodia até o fim dos tempos. Mas o dia nascia todo o dia e toda vez sentia que um pedaço seu era arrancado pela madrugada e suas amarguras, não existia algo do que correr, mas não existia um motivo pra ficar, e pra que ficar? Pensaria de novo, vou arrumar minhas coisas, correr pelas noites, esquecer que a vida é a vida e ficaria só no pensar de novo. Acho que preciso de novas malas, um novo incentivo e conhecia novas pessoas velhas e sempre iguais e permanecia naquela mesma melodia que ecoava por seus ouvidos e cada vez mais descobriam passagens até seu coração.
- As coisas não mudam há séculos por essas bandas, e por que iriam mudar não é? Alguém tem que mudar as coisas, as pessoas continuam aprendendo as mesmas coisas sem nem fazer idéia do que elas significam. Se elas ainda estivessem aqui, quem sabe as coisas seriam diferentes... E eu me pego ficando com medo de elas ainda estarem por aqui. - E gargalhou de novo a gargalhada da noite. - Tá sentindo essa cheiro de jabuticaba cozida? De noite sem dormir e sem ninguém? Dos pés molhados e melecados descalços durante um dia de sol? Do bafo do verão na sua cara enquanto o fogo arde por debaixo de sua pele? Sente tudo isso menino? São as coisas começando a mudar. É o céu começando a cair. Pega as suas coisas, fale o que há pra falar, porque se tudo explodir guri... Quando tudo explodir, vai ficar muita coisa a ser dito. Vai ficar muito a ser feito. Melhor começar a correr, não perca nem mais uma respiração.